“Sem vontade política não será possível concluir uma negociação”, sobre o acordo Mercosul-União Europeia
Presidente discursou neste sábado (20), em Foz do Iguaçu (PR), durante a abertura da 67ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, que encerra a Presidência Pro Tempore brasileira do bloco. Lula mostrou otimismo com possibilidade de o acordo ser assinado em janeiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou, neste sábado, 20 de dezembro, na abertura da 67ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, realizada na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná. Lula lembrou que os dados para realização da cúpula neste dia 20 foram requisitados pela União Europeia, pois esperava-se que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, aguardado há mais de um quarto de século, pudesse ser assinado neste sábado. Contudo, as expectativas não se concretizaram.
“Ao cabo de vinte e seis anos de negociações, esperávamos concordar, finalmente, o acordo de associação com a União Europeia. Mas, infelizmente, a Europa ainda não se decidiu. Os líderes europeus pediram mais tempo para discutir medidas adicionais de proteção agrícola. Recebi, ontem (19), dos presidentes da Comissão Europeia (Ursula von der Leyen) e do Conselho Europeu (António Costa), carta em que ambos manifestam expectativa de ver o acordo em janeiro. Sem vontade política e coragem dos dirigentes não será possível Concluiremos uma negociação que já se arrasta há 26 anos. Enquanto isso, o Mercosul seguirá trabalhando com outros parceiros”, relatou Lula.
O acordo será firmado e eu espero que seja assinado, quem sabe, no primeiro mês da presidência do Paraguai pelo companheiro Santiago Peña
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República
O presidente detalhou as autoridades que impediram que o acordo pudesse ser assinado neste sábado. Ele ressaltou que apesar das resistências da França à assinatura do acordo, o caminho para que ele seja concretizado segue aberto para que isso ocorra nas próximas semanas.
“Todos nós sabíamos a posição da França, histórica. Na última semana surgiu um problema com a primeira-ministra Meloni, da Itália (Giorgia Meloni). Não um problema com um acordo firmado entre Mercosul e União Europeia, mas de um acordo firmado entre a própria União Europeia. A Meloni disse que a distribuição de verba para a agricultura na União Europeia estava prejudicando a Itália. E ela, então, estava com um problema com os produtores agrícolas. Ela não poderia mudar nesse momento o acordo”, explicou.
“Tive uma conversa por telefone com ela e ela me disse textualmente que no começo de janeiro está pronto para continuar. Se ela estiver pronta para continuar e faltar só a França, segundo a Ursula von der Leyen e o António Costa, não há possibilidade de a França sozinha não permitir o acordo. O acordo será firmado e eu espero que seja descoberto, quem sabe, no primeiro mês da presidência do Paraguai pelo companheiro Santiago Peña”, disse Lula. A Cúpula em Foz do Iguaçu encerra a Presidência Pro Tempore brasileira do Mercosul, exercida durante o segundo semestre de 2025, e dá início à Presidência Pro Tempore do Paraguai.
COMBATE AO CRIME ORGANIZADO — Sob a Presidência Pro Tempore brasileira, os Estados Partes do bloco aprovaram a Estratégia do Mercosul de Combate ao Crime Organizado Transnacional (EMCCOT) e a criação da Comissão Mercosul contra o Crime Organizado Transnacional (CMCOT). Trata-se de um marco fundamental para o fortalecimento da cooperação regional em matéria de segurança pública e justiça. Com a aprovação da Estratégia e da Comissão, os Estados Partes passam a contar com uma atuação mais integrada para o enfrentamento do crime organizado transnacional.
A iniciativa reflete o compromisso do Brasil e do Mercosul com o fortalecimento da cooperação regional e com a adoção de respostas específicas a desafios que transcendem as fronteiras nacionais. Inspirada em modelos bem-sucedidos de articulação interinstitucional, a EMCCOT privilegia o consenso, a otimização de recursos e o acompanhamento de resultados concretos, com vistas a ampliar a eficácia das políticas públicas de segurança na região.
Enfraquecer as instituições significa abrir espaço para o crime organizado. A segurança pública é um direito do cidadão e um dever do Estado, independente de ideologia. O Mercosul demonstrou disposição de enfrentar as redes criminosas de forma conjunta, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República
“Enfraquecer as instituições significa abrir espaço para o crime organizado. A segurança pública é um direito do cidadão e um dever do Estado, independente de ideologia. O Mercosul apresentou disposição de enfrentar as redes criminosas de forma conjunta”, ressaltou Lula. “Há mais de uma década, criamos uma instância de autoridades especializadas em políticas contra as drogas. Neste semestre, assinamos um acordo contra o tráfico de pessoas. Criamos uma comissão para implementar uma estratégia comum contra o crime organizado transnacional. Instituímos um grupo de trabalho especializado em recuperação de ativos, a fim de asfixiar as fontes de financiamento de atividades ilícitas”, disse o presidente.
EMCCOT — A Estratégia do Mercosul de Combate ao Crime Organizado Transnacional estabelece um processo regional unificado para identificação de ameaças, definição de prioridades comuns e coordenação de ações externas à prevenção, investigação e repressão ao crime organizado transnacional, incluindo, entre outras modalidades, o tráfico ilícito de drogas, a lavagem de ativos, os crimes ambientais, o tráfico de armas e de pessoas.
CMCOT — Já a Comissão Mercosul contra o Crime Organizado Transnacional coordenará os trabalhos da EMCCOT, reunindo representantes de alto nível das autoridades competentes dos Estados Partes e, quando pertinente, dos Estados Associados. A Comissão contará com o apoio de um Comitê Técnico Intergovernamental de Coordenação, responsável por acompanhar a implementação da Estratégia com abordagem operacional e orientada a resultados.
NÃO AO FEMINICÍDIO — Lula também pediu para que o bloco sul-americano trabalhe em conjunto para ampliar as proteções às mulheres. “A América Latina também ostenta o triste registro de ser a região mais letal do mundo para as mulheres. Segundo a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), onze mulheres latino-americanas são assassinadas diariamente. Gostaria de propor ao Paraguai, que assume hoje a presidência do bloco, que trabalhamos para criar um grande pacto do Mercosul pelo fim do feminicídio e da violência contra a mulher”, indicou.
ESTADOS UNIDOS E VENEZUELA — O presidente se pronunciou sobre a transferência entre os Estados Unidos e a Venezuela, que escalaram nas últimas semanas. Para Lula, um conflito armado entre as duas nações representaria uma catástrofe humanitária. “Construir uma América do Sul próspera e importar é a única doutrina que nos convém. Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional. Os limites do direito internacional estão sendo testados. Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo”, alertou.
PONTE BRASIL-PARAGUAI — Lula ressaltou que a inauguração da nova ponte entre Brasil e Paraguai, realizada na sexta-feira (19), envia ao mundo uma mensagem de união. “Esta cidade (Foz do Iguaçu) é especial. Foi aqui que, há 40 anos, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín inauguraram duas pontes. A primeira foi a Ponte da Fraternidade, que liga Foz do Iguaçu a Puerto Iguazú. A segunda foi a Declaração de Iguaçu, que lançou como bases para a criação do Mercosul”, recordou. “Em um mundo em que erguer muros parece mais fácil do que construir pontes, esse exemplo merece ser lembrado. Ontem, inaugurou a Ponte da Integração, que conecta Foz do Iguaçu a Presidente Franco, no Paraguai. Espero que essa nova ponte se torne mais um símbolo de nossa determinação de caminhar juntos”.
BALANÇO — O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira fez um balanço da Presidência Pro Tempore brasileira. Durante os seis meses que esteve à frente do Mercosul, o Brasil trabalhou para fortalecer o mercado regional e atualizar agendas estratégicas comuns, como transição energética, desenvolvimento tecnológico e o enfrentamento ao crime organizado transnacional. Vieira destacou ainda a promoção de iniciativas para micro e pequenas empresas, especialmente voltadas para mulheres, como estratégias de combate ao crime organizado transnacional, e ainda novas oportunidades comerciais entre os países do bloco.
“Buscamos realizar uma presidência pro tempore dinâmica que buscasse esclarecer nossa união aduaneira, ao mesmo tempo em que expandia os horizontes do bloco para várias partes do mundo. Uma presidência pro tempore do Brasil que tampouco descuidasse de nossos cidadãos, com iniciativas específicas à segurança, prioridade em vários de nossos estados, direitos humanos, temas sociais, entre outros. Estamos confiantes de que os alicerces construídos durante esse período abrirão caminho para um futuro ainda mais promissório para o Mercosul”, afirmou Mauro Vieira.
EXPECTATIVAS — Durante o próximo semestre, caberá à Presidência Pro Tempore do Paraguai continuar a priorizar o avanço nas negociações para inclusão no bloco dos setores atualmente excluídos, com o trabalho de auxiliar a Bolívia em seu processo de incorporação de todo o acervo normativo do Mercosul, de modo que possa participar do bloco. O Brasil pediu à próxima presidência que replicasse a realização do Foro Empresarial Agrícola e que reforçasse que prossigam as vitórias em torno da possibilidade de assinatura do Acordo sobre Proteção e Recuperação de Bens Culturais no Mercosul, cuja negociação avançou na presidência brasileira.
MERCOSUL — Fundado em 1991, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) é a iniciativa mais abrangente de integração regional da América Latina, surgida no contexto da redemocratização e reaproximação entre os países da região, no final da década de 1980. Os membros fundadores do são Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, signatários do Tratado de Assunção. A Bolívia é o mais novo Estado Parte do Mercosul, com sua adesão formalizada em agosto de 2024.
O bloco ainda conta com sete Estados Associados: Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Panamá, Peru e Suriname. Os Estados Associados estão autorizados a participar nas reuniões de órgãos do Mercosul que tratem temas de interesse comum. A Venezuela é formalmente um Estado Parte, mas está suspensa desde 2016, em razão do descumprimento de seu Protocolo de Adesão e, desde 2017, pela violação da Cláusula Democrática do Mercosul.
