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Reforma tributária deve acabar com distorções, como o ‘passeio’ de mercadorias pelo país

A reforma tributária, aprovada no Senado, deverá acabar com algumas distorções curiosas do atual sistema de cobranças de impostos do país. Essa é a avaliação de analistas e da equipe do governo que cuida da reforma. A reforma ainda não virou lei. Como o texto aprovado no Senado teve diferenças com relação ao que passou na Câmara, agora os deputados precisam voltar a analisar a proposta.

Esta etapa da reforma busca simplificar a cobrança dos impostos sobre o consumo. Um dos pontos é a substituição de 5 impostos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que vai ser dual: ou seja, um IVA federal e um IVA estadual. A expectativa do governo e de analistas econômicos é que a reforma torne mais eficiente o sistema tributário do Brasil, hoje considerado caótico e causador de desperdícios financeiros. Uma das distorções mais dispendiosas para a economia é o “passeio” de produtos pelo país, consequência das atuais regras tributárias.

Hoje, o ICMS, um imposto estadual, é cobrado na origem. Ou seja, onde os bens são produzidos. Isso cria o chamado “crédito presumido” na saída de um produto de um estado para o outro, reduzindo o valor e ser pago em ICMS. Por esse modelo, algumas empresas conseguem benefícios fiscais só pelo fato de os produtos passarem por determinados estados, mesmo que nenhuma entrega seja feita lá.

O resultado são caminhões circulando desnecessariamente pelas rodovias, desgastando o asfalto e poluindo o meio ambiente, encarecendo o custo total da economia brasileira. Uma distorção maior ainda é quando as empresas apenas enviam as notas fiscais para obter o benefício fiscal, sem que os produtos sequer circulem pelos estados que concedem os benefícios.

“Para algumas empresas, a mercadoria vai para aquele estado e, de lá, vai para o destino final. Ou nem chega a ir, tem uma nota fiscal de saída daquele estado e daquele estado para outro. São operações triangulares, passa o produto por um determinado estado para ter algum benefício fiscal, que geralmente é um crédito presumido. Por isso chama passeio”, explicou Melina Rocha, ex-consultora do Banco Mundial e especialista em IVA.

Além disso, cada estado pode definir sua alíquota, o que gera uma competição entre eles, a chamada guerra fiscal.

Com a reforma tributária, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido, após um período de transição, e não mais na origem. Isso contribuiria para combater a chamada guerra fiscal.

Com o fim da guerra fiscal, a produção tende a ficar mais próxima dos locais de consumo com o passar do tempo. Entretanto, alguns bens ainda continuarão a ser feitos em locais mais distantes para manter, por exemplo, a Zona Franca de Manaus (ZFM). O local concentra a produção, por exemplo, de motos, smartphones, TVs, condicionadores de ar e notebooks. Segundo analistas, este é um dos principais pontos que geram discussões judiciais no atual sistema tributário brasileiro: quais itens produzidos pelas empresas podem gerar créditos para elas.

Os chamados créditos fiscais no sistema tributário brasileiro são concedidos às empresas como forma de incentivo à produção de determinados bens ou serviços. O setor produtivo tem entrado na Justiça em busca desses ressarcimentos por parte da União e estados, resultando em muitos processos que poderão ser evitados com a adoção dos IVAs federal, estadual e municipal.

Melina Rocha lembra que houve, por exemplo, uma discussão judicial se as lixas, usadas em processos industriais, poderiam obter créditos de PIS e Cofins, reduzindo o valor de tributos pagos pelas empresas, assim como se as sacolas plásticas também poderiam usufruir de créditos tributários. Com a adoção dos IVAs na reforma tributária, essa discussão não mais existirá. Isso porque, ao contrário do que ocorre hoje, os IVAs serão não cumulativos (impostos não incidirão sobre valores tributários já pagos ao longo da cadeia produtiva).

Assim, as empresas poderão ter créditos de todos os tributos que já incidiram na aquisição de insumos e etapas anteriores da produção, o que descarta a necessidade dos créditos hoje concedidos. No sistema atual, impostos são cobrados “por dentro” de outros tributos. Por exemplo, o ICMS estadual incide sobre o próprio ICMS e, também, sobre o PIS/Cofins.

Isso quer dizer que há impostos embutidos nos preços que servem de base para a cobrança outros tributos, o que aumenta o valor total dos bens e serviços e dificulta o cálculo do imposto que está sendo pago.

O secretário especial de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, explicou que apenas o Brasil, junto com a Bolívia, cobra imposto sobre o preço dos produtos e serviços “por dentro”. Com a reforma tributária, ficou definido que não haverá mais possibilidade de os tributos incidirem sobre os tributos. A única exceção será o imposto seletivo, cobrado sobre bebidas alcoólicas, cigarros, armas e extração de petróleo e minerais (para não criar distorções no mercado).

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